Estava curtindo o silêncio da noite. Não tinha conseguido colocar em dia a correspondência atrasada. O computador ainda estava aceso. Esperava notícias do Tony, do Bosco. Thais não estava online. Eram quase três da madrugada de um domingo repleto de música. Marina tinha-se apresentado com o coral da escola no teatro de Montemarciano. Apesar da proibição da minha médica, abri uma garrafa de um Merlot delle Venezie e comecei a degustá-lo. O relógio da cozinha ainda mostrava a hora velha. Adiantei os ponteiros para a hora legal, com mais de um mês de atraso. Divertia-me imaginar a Gi de manhã desorientada no tempo. Entre um gole e outro pensava nos compromissos da segunda-feira, no aniversário da Nenê, no nascimento do Nicolas, no vídeo da Civone na Rede que faltava editar, nas passagens pra Dublin que ainda precisava comprar para passar o Bloomsday. Adoro o silêncio da noite!
De repente senti o chão tremer. O vinho no copo se movia. Me preocupei. A Doutora Fabíola tem razão: não posso mais beber. Mas não era a minha cabeça que estava tonta. Os quadros nas paredes começaram a chacoalhar e o edifício começou a balançar visivelmente. Corri pro quarto para acordar a Gi. "Gi, rápido, levanta, terremoto; RÁPIDO", gritei. Corri pro quarto de Marina. "Levanta, Marina! Terremoto!" Marina me olhou adormecida. Gritei, "Corre!, pra sala!" O tremor ficou mais forte. Os móveis se moviam. Por um momento olhei a escrivaninha com o computador e os discos rígidos que guardam a memória de uma vida e o armário onde conservo os negativos. Tive vontade de recuperá-los mas a luz se apagou, e o rumor de vidros quebrando-se chamou-me à realidade. O prédio estava pra desmoronar. Ficamos abraçados, nós três, debaixo da porta de saída, aguardando que o tremor diminuísse. Uma eternidade que durou 30 intermináveis segundos.
Em seguida a energia elétrica voltou. Gigliola e Marina estavam desesperadas. "Houve um terremoto! Tentamos acordar você inutilmente, Ayres. Agora passou. Você está bem?" Minha cabeça doía um pouco. Uma leve ressaca de um delicioso Merlot delle Venezie. Caramba, perdi o terremoto. Tudo bem, fica pra próxima. Quem sabe em Maio, quando a Sila vier-nos visitar, ou em dezembro quando os sambentistas estiverem todos reunidos aqui em casa. Vai ser uma aventura! Desta vez, espero estar acordado.
Il Diritto al Delirio
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di Eduardo Galeano
Ormai sta nascendo il nuovo millennio. La faccenda non e' da prendere
troppo sul serio (…). Il tempo si burla dei confini che noi inve...
9 anni fa
1 commento:
Os silenciosos, do fundo d'alma são os mais destruidores. Nos separam do mundo ideal e nos trazem à realidade.
Que o Merlot não se tolde e em se toldando que continue sobrevivendo - os vinhos sobrevivem? - aos terremotos da vida. Você continua surpreendente - e que bom tirou-nos a preocupação.
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