Tenho poucas fotografias do período em que trabalhei na televisão. Minha mãe, Marilva, tinha uma série di álbuns, repletos de fotos e de recorte de jornais, que documentavam minha “carreira artística”, minha e dos meus irmãos. Nunca dei muito valor àquelas imagens e não sei aonde foram parar. Sempre falei pouco sobre esta fase da minha vida. Não se trata exatamente de uma remoção, afinal foram dez anos da minha história, dos 4 aos 14 anos, toda a minha infância e parte da minha adolescência, que marcaram profundamente o meu percurso humano. Até mesmo as recordações daquela época são escassas e de acesso pouco imediato. Me dei conta disto somente há poucos dias atrás, quando coloquei online o meu site pessoal. Faltava uma voz no menu principal que fizesse referência ao tempo em que trabalhava como ator-mirim. É curioso que somente agora, à distância de meio século, me sinta preparado a revisitar esta aventura-desventura que, não posso negar, condicionou, em um certo modo, o resto do meu caminho.
Foram as artimanhas do destino que me conduziram a este atalho da memória.
Vivo há dez anos num país estrangeiro. Trabalho com loucos e velhos. Utilizo a fotografia como principal meio de comunicação. Juntos, tentamos construir uma narração possível da vida dessas pessoas a mim tão semelhantes. Paradoxalmente, nunca havia parado para organizar as minhas próprias lembranças, conscientes e ocultas, sobretudo deste capítulo televisivo da minha tortuosa existência.
Neste momento estou recolhendo as poucas imagens que acabaram ficando comigo: duas revistas, dois artigos de jornal e uma foto de cena. Foi meu pai, Filhinho, que um dia apareceu em casa para entregar-me estes documentos amarelados quando morávamos em Natal, no Rio Grande do Norte. Encontrei outras imagens na Rede e até dois vídeos em que apareço: o primeiro capítulo da novela Meu Pedacinho de Chão e um quadro de Vila Sésamo.
Minha irmã maior, Nenê e meus irmãos Guto e Adolpho certamente me ajudarão a recompor este quebra-cabeça do passado fornecendo fotos e causos que fazem parte da nossa mitologia familiar.
Com o passar de tantos anos, esta experiência de caráter pessoal revela-se também como parte da trama da história social da televisão brasileira. Participei da primeira grande produção de telenovelas e da primeira novela educativa, da estréia de Regina Duarte, Renée de Vielmond, de Sônia Braga entre muitas outras atrizes que se tornaram famosas. Contracenei com os principais atores e atrizes da década de 60, conheci os bastidores da jovem televisão brasileira e vivi tudo isso com os olhos e o coração de menino. Tenho sim muita coisa pra contar daquele período.
Tenho já na ponta da pena o caso trágico de quando aprendi a pronunciar a palavra “micrófono” nos tempos que apresentava a Gincana Kibon, de como consegui entrar no programa Moacyr Franco Show, de quando flagrei, sem querer, um diretor brincando de papai e mamãe com uma jovem atriz nos estúdios da Vera Cruz, a minha amizade com um pastor alemão, Radar, que roubou a cena do Procópio Ferreira, a breve experiência da única vez que fiz papel de menino rico, de quando a Márcia de Windsor brigou com o Walter Avancini por minha causa, minha paixão secreta de garoto pela filha do Percy Ayres e depois pela filha do Benedito Ruy Barbosa, e de adolescente pela estreante Sônia Braga. Mas quero fazer isso tudo com calma, a calma que não existia no core-corre, “rápido e rasteiro”, que atropelou a minha infância movimentada, aventurosa mas sofrida. Quero também refletir sobre o fenômeno do início da televisão no Brasil e sobre a dinâmica do meu relacionamento com minha mãe, a artífice de todas estas histórias.
Espero encontrar algum jornalista, pesquisador, historiador, ou até mesmo algum ex colega de profissão interessado na evolução da TV no Brasil, que me ajude a resgatar imagens dos principais programas e das novelas em que atuei e que foram os seguintes:
A Grande Gincana Kibon
Moacyr Franco Show
A Deusa Vencida
A Grande Viagem
Os Fantoches
O Terceiro Pecado
A Última Testemunha
João Juca Jr.
Meu pedacinho de Chão
Vila Sésamo
Sinto uma grande excitação por este projeto narrativo, pois, como se dizia nos meus tempos de criança, “Minha Vida daria uma Novela”.
Il Diritto al Delirio
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di Eduardo Galeano
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troppo sul serio (…). Il tempo si burla dei confini che noi inve...
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