Caríssimo Francisco Ivan,
menino, esta história de procurar o material do Bloomsday deixou meu coração capenga em alvoroço. A lembrança daquele dia que durou mais que as suas horas, que começou antes do tempo e que de repente ressuscitou e fugiu enlouquecido da vala comum da memória adormecida onde jazia, tirou tudo do lugar, abriu tantas gavetas emperradas revirou a papelada, amarelada, abandonada e as fitas que guardavam imagens estremecidas de moças bonitas recitando em coro a oração de Molly Bloom, numa filmagem improvável feita com uma videocâmera nervosa nas mãos do Alfredo Giacometti que morreu no dia primeiro de janeiro deste nosso 2009. Aquela escultura amorfa de fumaça que eu chamei famigerada por conta de uma briga feia que se travava há muito tempo dentro de mim e que naquele dia explodiu na Babilônia quebrando as vidraças e lançando panelas de óleo fervendo pela janela e causando aquele fuzuê danado, foi também um Bloomsday, o primeiro Bloomsday em Natal, segundo o Folhetim da Babilônia número 2 que diz: "Dublin, 16 de Junho 1904, Bloomsday! O relato de um único dia na vida de Leopold Bloom, protagonista do Ulysses de James Joyce, que tornou-se o símbolo da revolução literária do século XX. Natal, 16 de Junho de 1993. O Professor Francisco Ivan da Silva, representante da Associação Brasileira de Estudos Irlandeses, juntamente com o Espaço Cultural Babilônia, organizam um evento instigante para comemorar o Primeiro Bloomsday em Natal." E aí tem fotos de Eulício Lacerda e do Professor Wladson Pinheiro que leu a tradução que fez da última página de Ulysses em Interlíngua. E tem também o João da Rua com aqueles olhos colírico de serafins que passeiam pela pubiscidade à dobra da baía miramares. E Falves Silva que apresenta suas colagens e desenhos eróticos num depoimento pudicamente tímido e comovente. Tem também o poeta Franklin Capistrano recitando joyceanamente seus poemas visuais e visionários que enaltecem e lamentam a posição de eterna avanguarda à qual a grande literatura é inremediavelmente condenada. E a Ilária Ferreira, uma Molly atrás dos óculos, que no seu Português lê textos de Joyce. Mas a grande epifania da noite daquele dia foi o rito erótico de vozes, de faces, de corpos de mulheres celebrando os SIMS, únicos deuses capazes de erguerem os homens aos céus, pronunciados em Francês, pela Florence Dravet, em Inglês pela Irene Sedda, em Portanhol pela Graça Pinto, em Italiano pela minha amada Gigliola e em Português de um Brasil mais Nordestino e belo da belíssima Fátima Arruda. E tem tanta foto, menino, do público incrédulo naquela noite babilônica frequentada por Salésia Dantas com o irmão dela, Tácito Costa conversando com Marize Castro, uma roda quente de Afonso Martins, Volonté, Marcelo Fernandes e o grande Chico Miséria esfolhando o Folhetim número zero que foi lançado naquele dia. É, Mestre Francisco Ivan, não tem mesmo nada mais luxuoso, como você disse na sua fala, de frente ao atlântico mar de Ponta Negra, do que recitar Joyce numa noite de Natal, mesmo com a fome, com a seca, com a opressão , com os roubos... Prometo enviar-lhe fotos e o vídeo quando tiver sido restaurado. Mande-me notícias deste povo e o abraço eu espero-lhe dar quando você chegar por aqui, no próximo Bloomsday.
Ayres
Il Diritto al Delirio
-
di Eduardo Galeano
Ormai sta nascendo il nuovo millennio. La faccenda non e' da prendere
troppo sul serio (…). Il tempo si burla dei confini che noi inve...
9 anni fa